Ano de 1952. Exames médicos para obter emprego. Duas jovens desconhecidas aguardavam na sala de espera. Só horas depois descobriram que a entidade empregadora era a mesma. Falaram, riram e combinaram que ali se encontrariam para conhecer os resultados dos exames feitos. Depois foram o trabalho e o convívio por longos anos em relativa harmonia e muita amizade. Cresceram crianças, morreram pais e avós. Tudo foi compartilhado entre risos e lágrimas. Desilusões e dores terriveis que foram confidenciadas e consoladas com palavras cheias de afecto. Enfim, vivemos. Hoje há uma delas com o coração sangrando, perante a doença e morte de alguém ainda jovem e de outros dois também ameaçados e em sofrimento. Como pode um velho ajudar outro velho, aliviando-lhe a dor dos afectos familiares que o sufocam? Talvez uma prece, talvez um poema, uma lágrima sinceramente solta por todos neste mundo?
Ainda é inverno mas a primavera já bate forte para estar presente, com flores e tudo o mais que vamos descobrindo. Na varanda de muitas esperas há um canteiro, onde dois lírios lilases brotaram mesmo sem rega nem sombra. O alecrim está viçoso e os cactos com pontas novas. De alguns, os mais antigos, vou tirar cabeças para colocar na janela da casa nova. Virei a forma de viver. É como começar do fim, um dia, uma folha que se passa de trás para o princípio do livro que se vai lendo. Há estranheza nas horas e nos rostos e nas vozes. Tudo correcto, tudo higiénico. E para não me perder em análises fúteis, que tal acabar aqui "dias de primavera" e saír?