Parece uma brincadeira tipo pião, que rola e rola e para em qualquer canto. Mas o jogo não termina porque êle continua no seu rodopio de mão em mão. Conta-se um, dois, três, mil e a gente espera que aumente sonhando sempre. Por êle mate-se gente, às vezes por tâo pouco!!! Por ignorância também joguei o jogo do engano e depois fiquei triste. A ambição atrofia a inteligência. Vi lucro onde havia perda e nessa confusão agradeci a falsa dádiva. Quando entendi a mudança apenas vi que, estando na mesma, estava bem. Aquele misterioso dinheiro foi uma brincadeira que um desejo criou, nada mais do que isso. Há dias assim, amanhecem solarengos com as tardes cheias de nuvens. Mas eu estou feliz, apenas porque a felicidade existe.
Às portas do tempo parei, indecisa. Tinha de escolher por onde passar. As portas não teem portas. São espaços abertos como os nossos pensamentos. Assim, são criadas tal como as pensamos. Grandes, pequenas, de estilo, como aquelas que a memória guardou. Criei uma para mim, alta e estreita e avancei. Mas o mêdo estava colado ao tempo. Olhos de farol, vermelhos, sem corpo. Então vi cada porta. O mêdo estava em nevoeiro cerrado, ou em fogo ou naquilo que eu temia e me paralizava. Tentei ligar-me em oração. Tentei ouvir o tempo. Mas entendi que o mêdo faz parte de nós porque tememos a Morte. Agora não penso nela e estou passando a porta que escolhi. Estreita, difícil, cheia de ventos e caminhos desconhecidos. Mas amparada pelo Amor de muitos que, como eu, estão a passar as portas do tempo. Nada sabendo de tempo nem de pensamentos que fazem mêdo. Que pensarão de mim? Porquê e para quê invento estas loucuras?
É licito e até suave guardar objectos como lembrança e mais tarde rever esses guardados com alegria ou com tristeza. Por vezes com indiferença. Abrir mão de cada coisa e aventá-la, pede alguma coragem e a consciência de que nada nos prende a essa recordação. Caixas e caixinhas, bonecos, frascos de perfume, que estando vazios, são elegantes ou teem uma história secreta, roupas antigas, usadas por alguém amado, etc, etc. Assim, gavetas cheias, são pequenos museus de faz de conta, que todos nós queremos deixar aos nossos parentes. Estes, após a nossa partida, terão muita dificuldade em encaixá-los nas suas habitações modernas e até encontrar neles alguma razão para os manter em casa. Se houver valor monetário, aí sim, serão benvindos. Estes meus guardados estão a ser deixados no caminho. Pessoas amigas, mas estranhas, gostam e aceitam como presente. Tratam de mim com carinho e é só e é muito. Os amigos antigos não estão já aqui, a família partiu também. Guardar, para quê? A vida é um rio, onde todos vamos sem retorno. Basta lembrar, para ter. Tudo e todos existem dentro de nós. Aí está a vida eterna.
O Papa Francisco respondeu, em uma entrevista, que "0lhar para um idoso é ver o caminho da vida até mim". Tinha sido questionado sobre a morte e entre palavras sábias, desenvolveu o seu pensamento no sentido de valorizar a velhice, para que seja mais protegida. Aquela bela frase deveria ser lida e ouvida pela juventude, pois se todos queremos ter uma longa vida é fatal viver essa fase. Somos todos velhos um dia, com os jovens cada dia " a ver o caminho da vida até eles". Senti que deveria fixar este pensamento e passá-lo para outros. Se todos os jovens tivessem consciência deste caminho talvez houvesse menos pais abandonados neste mundo tão cruel.
Invento-me,
Como o mar inventa a onda,
como o amor a carícia,
como a luz inventa a cor.
Invento-me,
como o autor a personagem,
como o som toda a linguagem,
como a morte inventa a dor.
Invento
aquilo que sou ou julgo ser,
inventando
cada dia amanhecer,
em cada hora, até quando?
Eu ouso renascer em cada dia.
Para a Vida,
sentida a cada instante.
E de pé, olhando em frente,
Submetida
ao limite do já curto horizonte.
Ousar,
Ousando procurar
na angústia do Ser,
não exposta ao mundo,
o que devo saber
do Eu que É,
neste poço sem fundo.
É o medo do papel branco, ou da tela branca ou da primeira palavra ou da primeira pincelada, é o medo do ínicio de qualquer obra quando se pergunta como vou fazer? Serei original no meu trabalho, serei olhado como alguém que merece a atenção e o apreço de quem me vê? E de novo vem a lembrança que eu registarei e que parece nada ter com o que ficou para trás, mas tem, porque "aquilo" ainda está presente em mim:
E de repente olha-se um sapato torto
que ficou perto da gaveta dos sapatos.
E de repente sente-se que o morto
está, sem estar, em todos os lugares.
E a memória ri da gente, em actos
que podem induzir, quem sabe, ao choro.
E de repente tudo sugere azares
a quem, sem chão, tudo parece torto.
A Vida apenas fez o que tinha de fazer.
E de repente, até o sapato é morto
e nada mais podemos entender.