Dei a volta ao tempo e senti-me na esquina do mundo. Uma esquina feita por mim e para mim, com tudo que o mundo tem. Senti o mar, o vento quente e tenho vinte anos. Todos os amores estão comigo e as lágrimas são de felicidade. Danço e canto ao som das ondas e tenho Deus dentro do coração. O tempo partiu para lugar nenhum e eu não penso nêle porque estou viva e sempre estarei. Nos braços do Senhor do mundo vou olhando o destino percorrido sem ilusões e saudades. E entro na poesia para alimentar o prazer utópico de estar aqui.
Ontem fui outra pessoa, sendo eu. Senti como o mêdo modificava tudo, embora analisasse a sua origem. Eu e o mêdo lutámos para que a outra pessoa mandasse no coração e o protejesse. Apoiar o doente sem lhe dar atenção demasiada. Todo o doente tenta abusar do tratador, com manhas e novas tentativas de fuga. As alterações eram visiveis nos aparelhos e a visão do Hospital era muito triste. O mêdo surge após sintomas e o coração parece crescer e invadir todo o corpo. No entanto a vontade prevaleceu e a batalha foi vencida, Aos poucos vou equilibrando estes sintomas e renovando as forças para os enfrentar. Cada dia é para mim uma glória à Vida e não quero sofrer nos tempos mais próximos. Chega de angústias. Hoje, quando abri os cortinados, vi como a alegria me olhava do jardim. E é com ela na alma que estou a escrever esta espécie de diário. Chama-se "companhia".
E entrei. A porta fora aberta para mim. Em salas apalaçadas, com brilho de ouro, ante meus olhos quase cegos pelo espanto. Uma voz dentro dos ouvidos, ou talvez do fundo do brilho, me dizia que ali tudo era perfeito, geométrico e completo. Eu que sou a antítese do que ouvia como poderia entender estes conceitos? Precorri uns metros com cautela, pois a perfeição não estava visivel. Mas as figuras geométricas enchiam todo o espaço que eu atravessava e fundiam-se no meu corpo. Havia sons e números que pareciam dançar enquanto eu, estática, tentava decifrar a mensagem que estava recebendo. A Mão que me guiara apontou de novo o caminho. Confiei nela. E numa nuvem fui. O agora apareceu na solidão e nesta hora sei que devo continuar. Ou foi sonho ou um contacto impensável que a memória registou. E saí.
Para inventar os dias é necessária algumai maginação. Não posso fingir que sou uma rosa ou fingir que existo noutro lugar. Ou que sou jovem e sei correr ou que sou um extraterrestre. Apenas posso viver neste canto e transformá-lo num paraíso. Aqui tudo acontece. O sol abre a janela e entra. Os pardais entram também para debicar o pão que lhe trago do pequeno almoço. Depois as plantas iluminam o espaço, dentro e fora do lugar. Há livros de poesia e livros de livros com livros dentro. Há pinturas e pequenas coisas que enriquecem a vida. E há a Vida, o Deus da Vida, que eu embalo no meu coração. Assim são os dias inventados à espera de não os viver mais.