O dia começou nublado, mas o vento forte levou as nuvens e o sol iluminou o quarto. Abri a janela de vidro e aquietei-me ao suave calor da manhã. Os pardais corriam aos bandos.Uma borboleta branca bateu no vidro e entrou direta a uma flor azul, pousando no centro, entre duas pétalas que quase se fecharam num abraço. Fiquei esperando. Levei algum tempo a compreender que a borboleta não tinha vindo alimentar-se, tinha vindo morrer. Caiu quase desfeita, menos branca do que fôra. Tenho-a na minha mão enquanto escrevo, nesta espécie de vala comum onde todos estamos. O sol está de novo encoberto e o dia continua.
Peço ao vento que me leve, como se folha fôsse, sem caminho e sem destino. Só o vento sabe, como e quando me levará. Enquanto espero, o que sou? Posso escolher a música da alma, a aparência do corpo e até a senda que me levará a entrar na Luz. Tudo isto é meu, pois assim fui criada e assim serei, para sempre. Eu e toda a criatura. Anseio que todos entendam o poder do querer, se apoiado na fé e no amor à Vida. O vento passa, mas o tempo não quer a minha ausência ainda. Na esquina do destino, vivo e espero, sem pressa, agora que sou alguém de coração velho mas custurado com muita esperança e carinho.
Fazem-se pequenas coisas para passar os dias. Mas há grandes gestos que tornam o tempo imenso em cada hora. Receber uma flor, com cinco flores azuís, com o tom intenso que nos deixa estarrecidos, presas a um tronco alto e fino, dada com abraços de ternura, é não querer que o dia passe, esquecendo as tais pequenas coisas de cada dia.Tudo é bom para resistir ao tédio, à paralisia da velhice, à carência de afectos. E são estes o grande esteio da existência, dando ao tempo um cariz especial. Êste tempo tem a cor azul, para ser vivido como dentro da flor.
São pensamentos, palavras e obras. E assim eu pensei e tu vieste. No reencontro, apenas o tempo de um sorriso. Logo depois, na despedida, lágrimas nos olhos. Ficou deserta a cidade, frio o céu, distantes as montanhas. Correm as águas do grande rio e a tua barca parte, velas enfunadas, eu de pé, na margem, os meus olhos em ti, um longo momento, até hoje. E a obra nasceu, pelas palavras. Pergunto ainda por ti. Já não tenho margem. Fechei os olhos de pensar.