O outono foi por ti escolhido.
A primavera ainda sem o teu regresso.
Caem as folhas, piam as aves,
uma cascata à tua porta,
os montes em frente da janela,
o silêncio e a serenidade.
Ao desfiladeiro da montanha
que importam as querelas dos homens?
De longe, na minha casa de viver,
olho as nuvens sobre os montes.
Os dias cada dia maiz vazios,
eu envelhecendo cada dia.
Mas todos os anos trazem de volta a primavera.
Meus pequenos prazeres numa taça de vinho.
Para que lamentar o murchar das flores?
A Natureza mostra-se, informa, resplandece. A Mulher recebe do Universo um Ser que desconhece. As partículas de luz atraem-se e formam átomos, estes unem-se em moléculas que serão os tecidos. E os orgãos formam-se de neutrões, protões, fotões, etc, cada um diferente mas conhecendo já o seu futuro. O coração a preparar a autonomia do corpo, guiado pela inteligência Divina. Até ao grito, até ao choro, até ao Amor. É tempo de espanto, de alegria e de receio. O desconhecido causa medo e o Ser vem abrir-se para irradiar nesta rede que a todos une. É fantástico viver numa época que permite conhecer este milagre. Este texto é dedicado à Sara, por me ter dado esta visão preciosa.
Nasceu uma orquídia branca. O sol queima-me a nuca. O corpo estremece de prazer ao sentir a energia que o invade. A vontade, ligada ao poder da Vida, parece não ter fim. O coração quase fala com a poesia que leio, pelo uso das palavras simples e das ideias simples que outros são mestres em fazê-la. Comovidamente, copio uma estrofe de um soneto, escrito em 22 de setembro de 1933:
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
mas hoje, vendo que o que sou é nada,
quero ir buscar quem fui, onde ficou..
Há palavras que aplicadas a nós mesmo parecem refletir uma auto estima tão elevada, que produzem nos outros a impressão de vaidade ou até orgulho. Sempre se fala na beleza da humildade, mas quando esta é demasiada também parece vaidade. Usar a medida certa para avaliar as nossas ações é quase impossivel. Quem tem por hábito analisar-se perante as sociedades onde está inserido, vai encontrando alterações no seu comportamento, que talvez resultem do desejo de agradar, de não magoar outros ou até do desejo de ser útil a alguém. Eu noto em mim estes cuidados, por recear mostrar mais conhecimentos de ordem geral e algumas aptidões que podem ser apontadas como "fora do ambiente". É um jogo comigo mesma. Cada conversa tem um visor responsável que, muitas vezes, deixa passar assuntos que não podem ser entendidos pelas pessoas presentes. E aí vem o arrependimento e a sensação de não ter parceiro possivel. Este jogo mental é tão só meu agora que já vou esquecendo quando eramos dois a jogá-lo.
Bati à porta do vento e entrei. Para fugir ao destino fui levada num rodopio que passava sempre pelos mesmos pontos concretos, fazendo de mim uma parte do carossel, girando no mesmo sentido pela vontade do vento. É assim que eu descrevo a parte da vida em que não encontrei chão nem noção de responsabidade. Num ápice saí do vento e vi-me. Algo me tinha despertado e abri os olhos para decidir sobre mim e sobre o meu caminho. Logo encontrei o Amor e o querer viver sem interfências de outras vontades. A natureza foi benéfica até hoje. O tempo deixa-me ver que não fugi ao destino, destino para mim que é o projeto de vida, que pude ou não cumprir. Há tendências que a alma guarda e que seria bom manifestá-las ainda. Algumas conheço, outras não. O tempo é curto para tanta tarefa, mas estou tentando. É para isso, talvez, que ainda não perdi as faculdades de agir, pensar e idealizar. Para ir comigo sempre.