A terra não tem lados, não tem esquinas, não tem portas. Podemos abraçá-la sem obstáculos, caminhando em qualquer direção. Se pensarmos no poder que todos temos de aprender a viver em conjunto, sem fronteiras, abraçando a terra, como nossa Mãe, porque vivermos limitados no espaço e no pensamento? Se eu quero e posso, porque tiro aos outros esse previlégio? Ela, a Mãe, tem o corpo esventrado pela cobiça e ganância dos filhos. Estes que partem vazios de tudo que julgaram seu. O ódio, a insegurança que nos divide, o sangue derramado, dôr e lágrimas, num rio que desagúa para lá do nosso entendimento, deixam a terra a explodir sem retorno possivel. Só não vê quem não respeita o Universo que nos dá a Vida e o milagre que é o saber que se existe.
O teu tempo esgotou-se. O pretexto foi um coágolo perdido que foi entupir uma zona vital. Enfim chegou a hora que tanto pediste. Não sei onde estás nem como estás. As palavras onde e como não se aplicam à tua vida atual, mas não tenho outras à minha disposição. Se nós somos, simultâneamente, os réus e os juizes das nossas vidas, lá onde estás, já deves ter sentido como não viste as coisas boas que aqui desprezaste e estiveram sempre ao teu lado. Uma delas foi a amizade. A grande força para a Vida. Muito poderiamos fazer se a cegueira da ignorância não nos toldasse os caminhos. Agora é estado de luto para mim. Por nós as duas, pelas diferenças, pela saudade.
Admira, conscientemente, o minuto que estás vivendo, para sentires a Vida em ti. Pode ser maravilhoso ou triste, não importa. Vive-o. Assim dizia Confúcio aos seus discípulos, muito antes da civilização grega nos ter dado os seus filosofos. Afinal estes ensinamentos levam-nos a exercitar a concentração e a interiozar os nossos pensamentos. A única forma de viver o que somos e o que não somos também. É ainda a tentativa, muito remota, de acordar a humanidade para uma vivência espiritualizada, que poucos admitem. Muitos de nós vivem pedindo milagres, fazendo promessas. É fácil pedir, às vezes com a certeza da fé. Mas quem se escuta, se domina, se procura o que está fazendo nesta vida? Ou sabe como pode encontrar o seu verdadeiro Eu, a Luz que nos ilumina? Quantos milhares de anos faltarão para que todos saibamos que não somos daqui, lugar de fome, guerras e de dor.
Há médicos que são gente e gente que são médicos. São estes últimos que valorizam aqueles que os procuram. Reconhecem a pessoa com um cumprimento cativante, usam as palavras com serenidade e até carinho. Trocam ideias sobre a possivel debilidade do paciente, enquanto decorre o exame, de forma a que este se sinta aliviado e não angustiado. E se este é idoso, dão-lhe oportunidade de falar do passado onde, por vezes, se encontra a origem do distúrbio atual. E assim se define alguém que tem por missão ajudar e aliviar quem dele se acerca. Já conheci muitos com estas qualidades, a quem presto a minha gratidão. e admiração. Gente que por vocação estudou medicina e a exerce com o coração.
A mocidade definhou-se até ser uma ilusão. O movimento revê-se na memória do tempo. Os lugares são agora vivos, como não o foram quando usados por mim. Porque não foram vistos e sentidos quando vivê-los era o dia a dia? Serve tudo agora para viver a dor de não voltar e apreciar as alterações feitas, renovados que estão os espaços, que servem para passeios, feiras, exposições, esplanadas, etc. Mantendo-se os nomes de cada canto, rua ou praça, alguns com tradições de séculos, deve ser bom passear aquele chão amado, agora de "cara lavada", à luz que envolve a cidade. No outro século, onde tudo era venerado e defendido, não havia o abuso de viver, de correr, de cantar. Os limites eram impostos e o prazer do uso não podia ser demonstrado. Hoje, os prazeirosos dos espaços, muitos não sabendo o chão que pisam, gozam Lisboa de noite e de dia. Viver tudo de novo é impossivel, mas acompanhar a novidade já conforta a saudade.
Hoje é uma quinta feira e eu não tenho nada para fazer que me realize, tanto em criação como em trabalho. É uma situação dúbia visto que só eu posso determinar o que devo ou não devo fazer. Ao duvidar do modo de como prencher o tempo de que disponho, surge um porquê ao pensamento, e que sendo um assunto básico é o primeiro porquê. Porque quero viver todos os dias com obrigações, resultados e atividades visíveis concretas? As respostas podem ser muitas, por isso, nesta brincadeira de brincar comigo, eu assumo que a resposta pode ser: porque tenho anseio por ter obra minha, solitária mas abrangente. Desigual a tudo que exista, para além de mim. Este porquê separa-me do todo ou integra-me? Não sei. Boa tarde.
Na sua demência, pedia para ser levada ao hospital quase de hora a hora. Hábito antigo, por isso tornado vulgar, apenas mania depressiva. Mas ontem foi feita a vontade pela gravidade da situação. Não tenho forças para estar presente e sofro por isso. Mas estou feliz por ter amigos que me substituem com dedicação e dão carinho a ambas. São atitudes de pessoas com imenso valor emocional, que sabem ser gratas, além de saber também como a amizade é necessária à humanidade. De pranto é feita a minha gratidão a tudo que a Vida me está a proporcionar. E se por ela sofro, é por ela que tudo se torna mais estranho para mim.