Lindo, preguiçoso, patas suspensas, caídas sobre o ramo de uma árvore. Dorme. As orelhas erguidas, num alerta ao sono. Para ele não há mal nem bem. è tudo da sua natureza e á futura presa tudo se passa igual,como quando também foi predador. Para nós, que somos pensantes, parece simples. Mas será? Além das necessidades básicas, será que pensam, que sabem, que decidem? Ontem li a notícia em que um gato salvou o dono e o filho de um incêndio. Miou desesperadamente, até que o dono foi ver o porquê de tanta aflição. São tantas as provas de Amor que nos levam a conclusões complexas. E pelo sim pelo não, não deveriamos pôr de lado as carnes que comemos, os animais que criamos para matar, num conforto suspostamente necessário à Vida? Já alguém perdeu um minuto a contemplar o olhar meigo de um cordeiro antes da faca o levar ao forno? Há muitos anos que tenho esse olhar na lembrança, quando estive perto dos preceitos antigos. Aqui sei que peco, contra mim, contra o acredito. Por gula, por medo.
que está agora nos braços do Amor, para crescer cada dia. As fotos são do Milagre da Vida, que só se sente quando está ali, num processo de desenvolvimento que corre rápido, até cada pessoa dizer " quando eu era pequenino". E foi ontem. Não sabemos como passa o tempo. Acontece a todos. Por isso, desejo ao bébé que quando olhar o seu passado, possa dizer "fui feliz". E que este pensar abranja quem o rodeia.
Preciso que me escutes, mesmo estando ausente. Sabes que o meu coração sofre e que o meu pensamente procura os caminhos do sofrimento. Talvez por conta do passado ou por temer o futuro, tudo dignifica a dor instalada na alma que se sente presa, ansiosa por liberdade. Aqui está o mistério que os sentidos não desvendam. Por isso há a súplica, a gratidão e a busca. O Eu não vislumbrado mas que está onde deve estar, ao fim do caminho. Há dias em que de tudo se tira alegria, mas o dia de hoje foi de mágoa, esforço, coisa triste. Até o vento desfez as rosas do jardim. Perto de mim estavam mortas as pétalas das rosas amarelas. Fazem falta, como tudo na vida.
Sobre os velhos livros há a sombra das palavras. As páginas amaralecidas são viradas com leveza e respeito até à leitura e entendimento de tudo nelas impresso. A imaginação leva-nos ao passado, vivendo o futuro que o autor deliniou. Comove-me a data em que foi escrito, por tanto que me dá ainda hoje. Em prosa ou em poesia, ou abrindo os caminhos do conhecimento, cada livro antigo deve ser respeitado como um mestre, aquele mestre que, na nossa privacidade, nos ensina e nos delicia. Há pessoas que dizem não gostar de ler, outras dizem não ter tempo para isso. Ninguém lhes ensinou como podemos ser ricos de tudo o que imaginamos, ao aprender com um fiel amigo que pode ser de tantos ao mesmo tempo. Revi os meus velhos livros. Lembrei os muitos que dei e que vendi. Chegou o tempo de os deixar com outros que, como eu, os leiam pensando "quem teria lido estas palavras?" que mãos viraram estas páginas?" Isto é amar os livros e o saber que nos proporcionam.
Era mais sensato ficar na rua, pois assim vê-la-ia aparecer a caminho das suas tarefas. Pensou, mais uma vez, quais elas seriam quando a voz que não entrava pelos ouvidos se fez ouvir: "o meu trabalho é este, vir buscar-te, como a tudo que deve renascer sob o meu impulso, em dia e minuto que só eu conheço. Por isso me julgaste a correr, embora o tempo e o espaço não existam para mim. Esperaste-me quando não me viste passar ao longe. Eu estava dentro de ti, porque a noite seria a tua hora sagrada." Recordo que perguntei "e depois?" e depois o homem velho foi encontrado à porta de casa por um vizinho, já o sol ia alto. Olhava sem ver o campo que tanto amara. E depois?
Este conto fez-me muito mêdo. Não entendi.
A memória, quando apta, dá-nos um filme colorido e sonoro a passar no ecrã gigante de um tempo vivido. Por isso, lembrar hoje a serenidade daqueles serões, aguardando a hora do chá e das bolachas que faziam parte do ritual antes do deitar, é um prazer para mim. Uma das tias e eram três, lia alto o que o Diário de Notícias publicava ou trechos tirados de livros, próprios para jovens e crianças, onde eu estava presente. Havia uma revista mensal, chamada "Serões" que todos aguardavam com ansiedade. Recordo bem o terrivel conto dos Manos Papões, que me arripiava e tirava o sono.Também recordo um outro que me fazia pensar em algo que eu ainda não entendia. É esse que quero recordar, com palavras minhas mas igualzinho ao que ouvi em criança. "Um homem velho esperava o anoitecer sentado à porta de casa, frente ao campo plano, de onde avistava o sol a desaparecer. E quando o tempo se tornava frio ou chuvoso, era dentro de casa, com a porta aberta, que aguardava o caír da noite. Até que uma tarde viu uma figura esguia a correr pela planice, vinda de lado algum e à pressa para lado nenhum. Espantado aguardou saber quem era e de onde poderia ter vindo. Mas apenas lhe ficou a lembrança, pois às suas perguntras não houve uma resposta. Passou tempo. E uma tarde, quase noite, a cena repetiu-se. O homem velho, que julgava que já sabia tudo por ser velho, gritou e acenou, mas não foi atendido. E o vulto ía e voltava, como uma lanterna que se acendia e se apagava. A visão era agora diária e a curiosidade cada vez maior. Assi, levantando o braço e a voz, gritou: quem és tu e para onde vais? A resposta veio rápida e nada ofegante para quem ía a tamanha velocidade: sou a morte e vou trabalhar. A voz que entrou pela cabeça e não pelos ouvidos, deixou-o gelado. Sem esperar pela noite recolheu-se e fechou a porta. Tentou dormir mas o sono ficara fora. Alimentando a insónia, perguntava a si mesmo qual seria o trabalho da morte e porque corria tanto, de um lado para outro. Aos poucos foi perdendo o mêdo, voltou a dormir descansado. Pois se ía trabalhar é porque havia trabalho para ela algures. As tardes monótonas repetiam-se a ver o pôr do sol e a vê-la sempre apressada. Mas houve uma vez em que não a viu. Olhou para todos os lados e nada. A noite chegou. Temeu ir para dentro, não fosse ela estar a descansar em sua casa.
Há um poema sentido em cada lágrima. Em cada lágrima há dentro a dor que nos destrói. A dor que sobe do peito e em chamas nos consome. A perda pode ser compreendida mas nunca é aceitável. Nunca se entende por ser uma perda, algo que a vida nos cola à pele e sem aviso nos tira. E, em lágrimas, juntamos as outras, as que já foram, num abraço sem fim. Nesta fase, falando de semanas. só forçando a distração, se encontra alento., pouco mais que um sorriso. As palavras podem ser o ombro amigo, aquele que ocupa todos os lugares vagos à minha volta. E são muitos, todos resumidos em fotografias velhas que das paredes me olham, como se eu não existisse.