Com a noite a chegar mais cedo e algumas plantas a mudarem de verde para amarelo uma ou outra folha, a mostrarem como o outono vai invadindo os locais da Terra onde vivemos,eu começo a sentir a nostalgia e o medo que o inverno sempre me trouxe. Para me defender tento criar um ambiente mais confortável, ao mesmo tempo que procuro saír, nem que seja para sentir outras pessoas a passarem por mim. Há muito de infantil neste sentimento de tristeza, de perda, de antevisão da morte. Tudo o inverno me provoca. A criança que em mim fala, diz que tem medo do vento, dos trovões, da chuva, de tudo que os braços da Mãe protegiam. A mulher diz nada temer, além da sua fraqueza. Tudo é dual e a união sem desunião não existe. Por isso, a fraqueza é verdadeira quando a força, que me faz enfrentar estes dias, é suficientemente forte para que eu engula as lágrimas que tenho para chorar.
Sempre me vi um pouco perdida entre o que sabia ser a saúde e as pequenas enfermidades que aos poucos me invadiam, não impedindo, no entanto, de ter vivido com aceitação muitas situações de algum sofrimento. Estou numa dessas fases que espero ultrapassar em breve. Como todos os velhos, todos os dias sentem um sintoma novo, próprio da degradação física a que estamos expostos. Com humor ou seja rindo de nós mesmos, vamos convivêndo com a velhice, que é uma forma dorida de nos agarrarmos à vida. Depois deste conflito pessoal e intransmissivel, temos de ouvir as opiniôes de quem nos receita o pseudo alívio, de quem quer aliviar os ais que exalamos, da toma ou não do comprimido, etc,etc. Enfim, um aborrecimento total. Mas como há intervalos, amanhã já é tudo belo, hoje pode ser bom, veremos se é com sol e céu azul. E com flores e frutos deliciosos, escorrendo néter pelas mãos e pelo rosto, a lembrar a infância e a vida plena.
Neste fim de mundo onde eu vivo e aqui sou apenas a ilusão de ser, sinto os dias a passar para além das previsões temporais, como se o tempo estivesse dentro do coração energético e não aquele que pulsa. Diz quem sabe, que somos nós que passamos no tempo e não o tempo que passa sobre nós. Porque só há o agora, este instante, que já é ontem e foi o amanhã. Desta dicotomia deve nascer a nossa ansiedade de viver, porque não compreendemos o Absoluto que nos concebe. Apenas perceções ou serão memórias de vidas que não devemos lembrar? O Tudo se completa dentro de cada ser vivo, em cada átomo de todo o Universo. Como eu apreciaria sentido e sabendo...
Acabei de ler um livro de "contos para curar a alma", A sua essência é constante com a Natureza, a Vida ou Deus, como queiram expressar-se. E desta trilogia ressalta uma liberdade de pensamento espantosa porque o autor não receia as críticas dos que ainda defendem que só existe o que os seus olhos observam. Não, há muito mais junto a nós e que os nossos sentidos não precentem. Vou recordar um sentimento e uma sensação que senti quando, numa manhã de primavera, a caminho de trabalho, me abriguei à sombra de uma àrvore na estação de comboios de Cascais. Nesse tempo cresciam belas árvores nas gares. Foram abatidas para que telheiros de metal dessem mais proteção a quem espera os comboios. E chama-se a isto modernidade. Quando me aproximei da árvore desejei abraça-la. Encostei-me a ela e puz os braços à sua volta, com amor e devoção. Recebi um choque tão forte dos pés à cabeça, que ainda hoje guardo na memória. Desde aí entendi que somos todos Um, como este livro nos quer mostrar.
Tem noventa e cinco anos. Foi contabilista e sempre amou os astros. Estudou astronomia e agora dedica-se ao cálculo de probabilidades adaptado ao Totololo. Tem um blog, através do qual mantém contacto com pessoas interessadas nestas matérias. Não toma medicamentos e deixa boquiabertos os médicos que a família procura para lhe manter a saúde. Ficou viúvo há pouco tempo. A dor é evidente mas o trabalho serve para continuar a viver. Ao conjunto de qualidades acrescento a ousadia. Diz que quer fazer os cem porque tem ainda muita coisa para aprender. E se ousar é preciso para continuar, também é muito necessário para manter a esperança de ver crescer os bisnetos à sua volta. Como o blog é público, aqui o deixo para ser visto: "sorte à vista".