Estou a alterar a minha vivência, aos poucos e sem ter decisão pensada. Há pouco tempo fazia alguns trabalhos que me alegravam, por tê-los conseguido com exito. Hoje deixo correr o tempo, com indiferente e passiva forma de olhar cada hora do dia. Folheio uma revista, abro e fecho a TV ou o PC e quando vou jantar, vi que as horas se escoaram e não acertei a vontade com a disponibiladade física de que ainda disponho. Não deixo de pensar, imaginando o que gostaria de escrever ou até trabalhos manuais, com criação útil para usar neste inverno. Aceito a velhice, já instalada e por isso avançando pé ante pé. Este outono talvez me empurre para outro degrau de dependência que eu não aceito viver. Volto-me para a força espirítual, pois o que vejo nesta casa tem de me dar energias para contrariar o inevitável.
Outono traz o mar grande, violento, que nos deixa pasmos perante tal beleza do movimento, de cor em espiral, do quase castanho ao branco, do verde ao azul, como se um maestro tivesse na sua mão a música em tonalidades e sons. Sentir e viver tudo isto de fora para dentro, na percepção íntima de que ali também estou, numa existência colétiva dá-me uma felicidade que a alma conhece de outras sensações idêndicas. Sou e sei que sou parte de tudo, do desconhecido ao que todos já vamos poder conhecer, num mundo cada vez mais nosso, que podemos salvar ou perder. Da beleza da nossa Casa não ficará memória se o mar for um esgoto, se o ar for irrespirável. Que o outono venha sereno e traga alguma chuva.
Hoje é domingo. Ontem foi domingo também. Toda a semana é domingo porque este tem a semana dentro. O tempo encolhe a semana e eu fixo-me no domingo como farol dos dias. A comunicação é imediata e tudo é visto em direto. O conceito de rápido é para ontem, o que há décadas era para a semana seguinte. O espaço deminuiu porque o tempo também deminuiu entre cada local, por via dos transportes serem o que hoje são. O conhecimento atravessa o espaço em microsegundos para quem o procura. Os astros são devassados e encontrados como brinquedos dos homens sábios. Aqui me detenho, receando viver os meses dentro do domingo, fazendo a Terra respirar o tempo que a irá deixar de pulsar.
A minha amiga perdeu um filho. Ela é doente, ele também era. Todos a iludiram para viver a esperança. Mas a esperança partiu com ele e ela viu a verdade num minuto, sem amparo possivel. Tiraram-lhe o chão e deram-lhe nada para o dia a dia. Voltou para casa, para perto de nós. Aqui é cuidada e amada por todos, residentes e trabalhadores. Ninguém pergunta e todos usam o respeito no contacto necessário. Eu tinha de escrever sobre este acontecimento porque a dor daqueles que amamos cola-se em nós e o peito doi e choramos também. Esta semana tem sido de ausencia para as habituais distrações. Gostava de poder ajudar, embora saiba que não tenho poderes para tanto. Como dizer a uma Mãe que a morte é certa quando a doença, com muito sofrimento, só para ela aponta? Como aliviar aquele olhar sem lágrimas a pedir ajuda? Se ao menos ela aceitasse que foi o melhor para os dois, ambos doentes, dependentes da famíília amiga mas com muita gente a precisar também de cuidados? Mãos divinas desçam sobre ela, com ajuda dos anjos que eu sei existirem.
Dia de quase outono. Cantam as cigarras. A sombra dos pinheiros divide ao meio o verde da relva. O vento que empurra. afasta e levanta, ficou no seu berço gigante, longe, muito longe, talvez em lugar nenhum. As diferencas entre os ares quente e frio, hoje não existem, deixando que a calmaria se manifeste. É assim a nossa casa azul, onde as leis termodinâmicas regem cada segundo. Quem são os sábios deste tempo? Onde estão os poetas que nos emocionam? Que filosofos usam o pensamento a fim abrir caminhos aos que querem saber pensar? Estarão ocultos ou eu não sei reconhece-los? Pois não sei. Quem sabe das voltas do vento?
Aos seis anos já ouvia falar de atrocidades que a humanidade inflingia a si mesma. Nesse ano de 1936 rebentou a guerra civíl espanhola e na família era natural fazerem comentários, julgando que as crianças não entendiam o assunto. Mas eu dava a maior atenção e guardei muito do que ouvi. A descrição de horrores tornou-se banal até hoje. Não há limites para o sofrimento. Não há limites para a crueldade. Feitas as contas, são oitenta anos de guerras sem paragens, com milhões e milhões de mortos. Os interesses aumentam na medida em que aumentam os artefactos bélicos, o luxo, os prazeres das socidades viciadas em "liberdades" sem educação ou princípios éticos. Cada vez se apela mais ao sexo, desde as fotos publicadas aos jogos da internet. Não há privacidade. Muita gente não sabe o que é respeito pelo outro. Mata-se porque sim. É tão simples, tão dolorosamente macabro, que já faltam as palavras.