Não consigo entender porque o anoitecer é angustiante para mim. Com o caír da noite sinto crescer a ansiedade sem que haja motivo para que isso aconteça. Quando me apercebo da tristeza e do medo que vão tomando conta da mente, mais pareço uma criança a pedir colo de mãe. E nem uma nem outra podem curar esta fraqueza. Depois da noite estar frente a mim tudo se suavisa, mas o sentimento prevalece. Já estive quase livre deste trauma mas de há meses para cá voltou em força. Talvez por eu pensar que dominava os sentimentos com a força e a soberba do querer. a vida me diz que nada está nas minhas mãos nem nas minhas ideias. O que posso, só eu, é nada. Terei de inquirir antes de me gabar. Terei de procurar a causa para encontrar a solução. E antes de tudo fazer a vontade à tristeza, chorando a mágoa que transporto de ter perdido tanto e tantos nesta Vida. O Velho Parafuso está a pedir-me desculpa pelo exibicionismo deste Post, infantil e inutil.
Votei. Deverá ser a última vez que o faço. Mais cinco anos é muito para o meu desejo. Não me imagino a viver tanto tempo com a degradação que naturalmente chegará. Mas esta apreciação egoista da minha vida tem muito a ver com o medo da dependência, com o medo de sofrer, com tudo que vejo à minha volta e me atorriza. Adoro viver, explorar capacidades, saborear os sentidos, ainda pouco deminuidos pela análise que deles faço. Por isso ao voto junto o prazer de votar, direito que me foi vedado por muito tempo. Agora aprecio aquela cruzinha no quadrado e vivo os resultados sempre apreensiva pela escolha feita. Todos somos responsáveis, os que votam e os que não votam. Estes viram as costas ao futuro, talvez por ignorância, talvez por não querem pensar na sua própria vida.
Escrever sobre ti é muito dificil, porque o "não ser visto" altera o meu raciocinio. Sei que existes, embora haja dias em que as dúvidas são mais que as certezas. Quando nascestes fui ver-te, ansiosa e chorando, levada pela mão de uma tia. Sendo inverno e caminhando ao frio pela futura Alameda D.Afonso Henriques, que na época era campo, com rebanhos a pastar e quintas cultivadas, a tia só pedia pressa às minhas pequenas pernas que ainda não tinham três anos. Entre a casa da minha Avó, onde eu dormira, e a dos meus Pais, seria uma meia hora a andar bem para um adulto. Eu lembro o caminho, a boneca que levava comigo, o passeio estreito e mal calssetado e a pressa que me era exigida. Porque havia uma menina à minha espera. Depois recordo os teus olhos pretos e o meu dedo a tentar senti-los, o que causou alarme a todas as mulheres. Por mim foste bem vinda. Depois nada correu bem entre ti e a Vida. Volto a despedir-me, irmã. Nesta ignorância em que todos estamos, como dizer adeus a quem se amou?
Cedo estarei à tua porta.
Nas ondas do teu mar
Virás até mim.
Na barca dos teus sonhos
embarcarei contigo.
Os braços serão remos
que remando sem norte
encontrarão enfim
um lugar sem tempo
onde já estivemos.
Aí seremos tudo que fomos.
Talvez a mesma alma
vagabunda no vento.
Faz de conta que comprei um livro ou fui ao teatro ou escolhi uma blusa entre as que vi e gostei. Faz de conta que não vivo esta angústia de sofrer por outros e não saber se posso muito mais. Faz de conta que vejo dias felizes com trabalho bem pago, com saúde para o concretizar. Faz de conta que vejo crescer crianças nos braços de pais amorosos. Faz de conta que a Vida é tão sábia que me deixa viver enquanto eu tiver consciência para reconhecer o que está à minha volta. Faz que de conta que o Céu vela por mim.
O grito que estilhaça
a onda que devasta
a barca sem leme
a mão que nos enlaça
o peito que não geme
a alma em comunhão
aquilo que não serve.
Meu pranto é por todos
que juntos nada sabemos.
Amanhã amanhecemos
sem saber se a noite vem
sem saber se as mãos
se apertam
se é vivo quem não tem.
O ruido da chuva no silêncio. Imagíno-a em fios de prata que me envolvem e penetram em mim pelo alto da cabeça, no canal aberto ao mistério. Percorrem-me lentamente. Por cada expiração vão saindo o medo, os pensamentos negativos, os julgamentos sociais, as palavras e os desejos que me atormentam. Respiro devagar para trazer a energia do sol, o amor incondicional, os sons do universo, os cânticos dos anjos. Reparo que a chuva de prata formou sob mim um tapete que posso elevar. Assim me conduzo ao céu até encontrar uma energia densa, branca e cuja luz me faz atravessar tudo que está à minha frente. Tudo é paz, silêncio e perdão. Regresso. Fui sózinha? Não sei. Imaginei e estou bem. Em breve voltarei.
Desbobinando a cassete que gravei a viver faço um balanço que não qualifico nem desdenho. Em matéria não posso ir além. Gravar o futuro em visões, ou sonhos só à alma compete. No estado de superconsciência hipnótica há´pessoas que falam sobre o que virá e acertam. Sei que já se estudam estas situações, como matéria a desenvolver para curas de doenças raras e psiquiatricas. A interação da energia que nos move com o corpo hospedeiro dessa energia, a nossa alma, nem sempre é a mais equilibrada. Isso provoca desiquilibrio na saúde, na forma de encarar a própria existência, enfim, de viver a Vida. Desde que o mundo é mundo que todas as formas de vida lutam pela sua evolução, num retorno à casa onde nasceram. Não sei porque estou a escrever sobre um assunto que pouco interessa, pois se nada se sabe, porque procurar? Só posso dizer que tenho uma alma inquieta e que procuro aquieta-la através do conhecimento acessivel ao meu dispor.
No verão de 2009 havia uma pequena taberna que servia boa comida perto da casa onde eu vivia. Situava-se num local sossegado e o portão de entrada dava para um largo corredor coberto de latadas. Sob estas colocavam mesas que, à sombra de tantas videiras e com cachos de uvas a crescerem aos nossos olhos, tornavam as refeições especiais. O sol e a brisa de verão davam ao local as sensações de campo, que há cinquenta anos ainda existia em muitos recantos de Lisboa. Como sempre me movimentei sózinha, procurando estar em locais que me dessem boas sensações, tirando delas aquela alegria de viver que sempre senti, escolhi a pequena tasca para almoçar, gozando o calor do verão. Recordo as belas sardinhas, os fragos de churrasco, as fatias de melão, acompanhados do trinado dos canários, cujas gaíolas balançavam sobre a minha cabeça. Não voltei mais, desde que verão terminou. Ali escrevi, como que a despedir-me, uma quadra que me decifra:
Sentei-me à mesa comigo,
Serena, em dia de paz.
O que para uns é castigo,
Só alegria me traz.