Atravesso as águas
na caravela do Rei.
O tempo tomou o leme,
o destino soltou amarras.
Eu estou a cumprir
o que combinei.
Não temas a morte, Amor,
que a caravela leva-te
ao Rei.
Sentir a ausência de si mesmo é como não estar aqui. Tudo é indiferente. Olha-se o céu cheio de nuvens, o vento é frio, o corpo não reage. Penso numa pequena estrela lilás, onde a energia de pensamentos novos se pode desenvolver. Eu sou parte dela e com o pensamento construo uma violeta. Guardo-a e penso muitas iguais. até ter um ramo que posso dedicar a mim mesma. Então percebo que sou estrela, que sou nuvem, que não há corpo e que estou apenas viva para pensar e sentir. Não sei se perdi ou encontrei. Criar pensando seria uma felicidade plena. As palavras que me ocorrem dizem pouco das ideias estranhas que enchem todo o meu ser. Não quero estar triste mas estou.
O assombro é´por nunca ter visto, o medo é da proximidade e o resto, as palavras não ditas, apenas perturbam os sentimentos. Cada partida é assimilada pelos restantes de forma tão pacifica e natural que me causa alguma incompreensão. Há um silêncio tácito e nos rostos sorrisos forçados. As conversas continuam. Somos um conjunto de peças inuteis que se vão desgastando até serem retiradas para outra composição desconhecida. É aqui que se materializa o assombro e consequentemente o medo da proximidade. O hoje espera o amanhã , como o ontem esperou. E nesta espera só podemos gozar os sorrisos forçados e as conversas fúteis de quem olha para o lado enquanto assobia. Até.
Nestes quase quinze dias em que estive sem este objeto, que serve de escritório, cinema, caixa de correio e muito mais utilizações, recriei mentalmente as sensações que fui cultivando. Assim recordei perfumes e odores que a memória guarda, acumulando os sons, como vozes que nunca mais ouvi. Dividi as memórias para não confundir os efeitos pretendidos. O mais dificil foram as vozes cujas vibrações estão perdidas no tempo. O mais fácil foi o olfato, muito presente em todas as buscas. Por isso o título. Desde as rosas ao alecrim, desde o coentro ao pimento. E a música, essa alegria e extase que nos eleva até ao deleite. Desde O Mar, de Dêbussi, até à melodia simples de um canto antigo, tudo seviu para me testar frente a mim mesma. E fiquei feliz por ainda sentir tanto do que a Vida me tem dado.
Rego flores e escrevo palavras para compor uma ideia. Vejo imagens e choro por vezes quando elas chegam a um lugar secreto e fazem doer a alma. O dia é sempre o ultimo, portanto tem de ser cheio de mim. Defino cada dia como amoroso, correto e fiel. Parece dificil de cumprir, mas já não é. A experiência dá sabedoria aos actos e calor aos afectos. Hoje, dia da Mãe, aperto no mesmo abraço os filhos que não tive e aqueles, que pela vida fora, foram tudo o que me fez mãe e tudo que me fez filha. São os amigos que foram partindo e os que, como eu, vão resistindo ao tempo. Por vezes há caminhos dificeis, mas a vida pede muito e muito devemos ser para que ela nos recorde e abençoe.
O sonho nasceu pequenino num vazio imenso, escuro e medonho. Pediu ajuda e o sono apareceu para o receber. Entrou no sono e por lá ficou até hoje. Foi crescendo no meio do sono de todos os seres vivos. Para muitos deu alegria mas quando estava sangado ou triste tornava-se em pesadelo, o que causava grandes tormentos. Para a humanidade, o sonho que o sono acarinhou, foi motivo de crenças, de estudos e por fim passou a ser usado como desejo e motivo para se chegar a um "lugar" distante. Agora acordados todos sonhamos. Um sonho pode levar-nos ao céu ou ao inferno. Um sonho é sempre um motivo que dá cor à vida. Como este de inventar e de escrever o que vou inventando.