Foi me dado viver mais uma janela do tempo. Por ela entrei no futuro ao contemplar o pequeno ser dormindo ao colo da mãe. Todos em redor, convergindo para ela os sentimentos de amor que ali nos juntou. Para mim foi uma experiência maravilhosa e que há muito tempo não vivia. Quem será esta Patricia, quem será esta alma, que aqui na terra se manifestará? Pensar sobre tudo isto aumenta a sensação de felicidade que agora sinto. Que viva feliz, é tudo que lhe desejo.
O tempo enganou-me. Quando já não esperava ver uma criança na família aparece a Paricia para alegrar este pequeno mundo. Somos poucos e era com alguma dor não ver uma criança no meio de nós. Que todas as graças a rodeiem é o que eu mais desejo. Já tem três dias. Mãe e filha são agora o nosso cuidado e a nossa alegria. Pelas fotos parece-me bonita ou estarei traida pelos sentimentos de avó? O tempo. sempre o tempo, será quem tudo esclarecerá. Eu apenas gozo uma nova fase desta vida longa e feliz.
Há vinte anos não desejava viver até 2017. Porque seria muito velha, porque um seria alguém sem saber de si, dependente e triste. Este ano nem sequer era viável no meu futuro. Era um número sem tempo, porque eu já não era. Mas a vida decide tudo e como diz o povo, dá muitas voltas. E cá estou, átiva e lúcida, com energia suficiente para pensar e fazer coisas novas em cada dia. Alimento-me de quem me rodeia, da família do coração e dos amigos e de todos os outros que me estão próximos no dia a dia. Para além de tudo, sinto em mim algo maior que me ampara. A gratidão faz parte de tudo quanto recebo. E esse sentimento enche de alegria cada hora vivida. Estes desabafos não interessam a ninguém, é como entrar num diário secreto, escrito num livro atado com uma fitinha vermelha. Como quando era criança e não sabia o que era a velhice. Agora, que penso na morte, no tempo longo que vivi e no tempo curto que me resta, escrevo palavras para compor a sensação de estar aqui.
A ouvir "O Mar" de Debussy, recordo o comentário jocoso sobre esta obra, que alguém que não a apreciava, me atirou com o desprezo na voz: isso são os carapaus a cantar? Guardei até hoje e por aqui se vê como somos diferentes até na forma de discordar. Eu talvez não manifestasse assim e o mais certo seria o silêncio. Não sei porque estou a escrever sobre isto quando a música me deleita neste momenro. Ouvir e sentir ao mesmo tempo prazer e felicidade é um bem supremo. De tudo isto entendemos que esse bem está dentro de nós, da Vida que vivemos e não pode ter fim. Todas estas pessoas que tocam numa orquestra , estão iluminadas no saber e prazer de tocar um instrumento que amam. Esse amor permite-lhes interpretar um compositor, dando ao ouvinte a felicidade que eu sinto agora. Como terminar este texto? Com um simples Fim.