Na festa dos Santos Populares, que foi muito alegre e bonita, graças à juventude da Direção desta casa, não estive tão disponível quanto gostaria. Um pouco adoentada, um pouco triste também. Mas apreciei os cantares, as danças e os lindos fatos dos desfiles das marchas. Recordo as primeiras na Avenida da Liberdade. Eu teria cinco ou seis anos e os meus Pais levaram-me com eles. Sei que tive medo por ver mascarados e haver muito barulho. Há três ocasiões no ano para tudo reunir e viver um dia diferente. É o aniversário da Casa, os Santos e o Natal. E como sou grata, fico feliz por me darem tanto.
E assim fui guardando como era o pequeno lugar onde nasci, às portas de Lisboa, no ano de 1930. Não sendo freguesia fui registada em Carnaxide. Era de carroça ou a cavalo que se subia a serra, onde os caçadores encontravam caça em liberdade e em quantidade. Tudo isto foi contado pelo meu avô para responder às inumeras perguntas que eu fazia sem me saciar. Quando mudamos para Lisboa, eu tinha quase três anos. Mesmo assim tenho algumas memórias dos locais, da praia enorme (desta tenho fotos) e do medo que sentia ao subir escadas de ferro que passavam sobre o combóio da linha do Estoril, nesse tempo propridade privada. Recordo uma enorme praça de touros de tijolos vermelhos situada onde é hoje o largo junto à entrada da estação ferroviária. Nasci em Algés, em uma rua de pequenas moradias, rodeadas de quintais e perto do Parque Anjos, atual museu e Casa de Cultura. A praia de Algés era frequentada por muitos alentejanos durante o verão por ser perto de Lisboa e por haver quem alugasse casas ou quartos durante esses meses. As voltas da vida trouxeram-me até à freguesia onde me batizaram no dia de S.Pedro do ano de 1930.
Estou no telhado de telhas vermelhas. Imagino os horizontes até ao mar. Há asas que me levam ou olhares desviantes para não perder o rumo. Que rumo? Qual será a pérgola com rosas trepadeiras que eu vou escolher? Vou à toa, criança perdida na sabedoria da Vida, esperando o Amor prometido desde o princípio dos Tempos. Tudo palavras néscias que em nada esclarecem o que é notável. Tudo que fica por dizer e que a alma contém. Tanto por ela guardado, enquanto o silêncio se faz ouvir. Quem dera saber interpretar o canto do silêncio sobre as águas ou sobre um coração pulsando. Que dizer do que se está vivendo, sabendo que a mudança vem sem aviso? Do telhdo vejo a vida vivida e tudo por viver ainda. As escolhas de cada hora, a fantasia usada como máscara, todas as decisões com consequências, tudo serve para viver calma e sem medo. Estou em lugar alto, de telhas vermelhas....
Verão no jardim. Crianças correndo com bola e gritos de alegria. Hoje estive adoentada, a respirar mal. A pressão aterial subiu muito e cada dia fico mais cansada. Os batimentos cardíacos são lentos e qualquer esforço provoca maior aceleração neste "pobre coitado". Posso escrever, ler, desenhar, tudo coisas boas para a vida. Mas arrumar uma gaveta, andar por aí em passeio e até tomar duche, deixam-me um caco, sem ar para continuar a tarefa. O coração sabiamente remendado, já teve mais cinco anos de vida neste plano por isso é natural esta fraqueza. Ficarei sentada ou deitada até ter consulta de cardeologista? Pelo menos uso o prazer de fazer coisas agradáveis e sentir a alegria de viver aqui.
Naquela idade da vida em que a velhice era uma miragem, a eterna juventude era uma certeza sem discussão. Os dias de estudos conjugados com as leviandades não deixavam nem tempo para olhar à volta, mesmo dentro das famílias. Até que um dia a verdade cruel e ao mesmo tempo magnifica, surge à nossa frente. Os nossos pais, os avós, os vizinhos, toda a gente, começam a envelhecer e a partir. Toca o alarme dentro de cada coração. Vai chegar a minha vez ou talvez já tenha chegado. Estou a falar de quando vivi num mundo irreal, cheio de mim. Este ano de 2018 tenho perdido capacidades físicas e alguma auto-confiança. Escrevo para celebrisar o uso da begala, o equilibrio do outro equilibrio que se está gastando.
O éco das minhas horas é sentido nas noites sem sono, nos dias vazios, no coração sem pressa de viver. É sentido quando viajo em mim, criando lugares, cores e até sons que trazem ideias nunca pensáveis em palavras. O éco é aquela vózinha falante que diz coisas no silêncio da alma, quando queremos estar sós. A tentar meditar ouço e domino a respiração, criando assim uma bolha de luz onde me abrigo. Aí no tal silêncio, sem mim/ego e sem mim/matéria, julgo-me fora do tempo que me está engolindo. È lá que está o éco das horas que vou vivendo. Ouço os pingos da chuva na janela e não quero ouvi-los. Porque eles me dão tristeza.
Até a roupa que visto parece desbotada. Lavada e dobrada tem ar de ser usada há quase duas décadas. A primavera foi meio inverno e o mês das noites quentes e das festas, está húmido e frio. A areia dourada, cheia de gente, é uma fantasia. Cada dia é esperança de calor, sem vento, corpinho ao sol e alegria de viver. Mas engano.Tudo igual, tudo triste. O Sol está encoberto com nuvens de alguma chuva. E eu aqui a sonhar que valho as palavras que escrevo...
Preciso de um poema,
de juntar as palavras.
Preciso de Ti, como de água fresca
que traga sentido
ao que vou pensando.
De ver no jardim a onda do mar.
De sentir Tua mão encostada
ao peito, daquele geito
que só a Mãe tem.
Preciso de um poema
que me eleve ao cume.
Que me deixes nas ondas
daquele Teu mar,
que me leve a Casa
para descansar.
Preciso de palavras
de todas as vidas,
escrever um poema
que julgasse meu
e me devolvesse
as horas esquecidas.
Esta dor no peito,
devolvoTe o céu.