Não há fronteiras, não há oceanos, não há distâncias. Que mundo novo será amanhã, quando eu for embora? Tudo me fascina e me pede estudos que já nâo memoriso nem entendo mesmo. Meu pequeno livro Prosas e memórias partiu, via E-mail, para o Brasil, destinado a ser lido pela Mariana, adotada como neta amiga. Encontram-se gerações e unem-se assim pessoas que mal se conhecem. Até aqui tudo positivo. Mas para mim, sempre pronta a perguntar e a aprender, como é isto possivel? Que ondas magnéticas transformam e transportam o que eu escrevi e está guardado neste PC?. A comunicação é feita em segundos, é como um abraço ao mundo. Todosnós, assim ligados, quer se goste ou não.
Começou a chover. Sobre o café do almoço, tomado para disfarçar o sono, houve um pouco de conversa. Fiquei perto da TV para ouvir notícias, sempre focando tristezas e mortes. Parece melhor escrever ou ler assuntos culturais. Estou vazia e triste. Sem sol perde-se o fulgor e a vontade de exibir os nossos atributos pessoais e únicos. A pensar na vida que escolhi, vejo agora como foram as consequências de cada escolha. Algumas fizeram-me crescer como ser humano. Enquanto se vive a velhice podemos optar por corrigir pensamentos, palavras e até obras que nos levem ao retrocesso. Tudo é da nossa responsabilidade, mesmo que duvidemos disso. Aqui, onde vivo, contacto com muitos jovens. Por vezes há minutos de conversa que levam a pedidos de opiniões sobre a vida vivida. Tento sempre alertar para o caminho da responsabilidade e para o respeito, nosso e dos outros. Com Amor.
Parece nome de filme mas não é. Quando em 1941 eu vi os efeitos de um ciclone sobre Lisboa, mesmo dentro de casa, senti um terror que guardei até hoje. Não havia previsões nem socorros e muito menos imagens. Vi pessoas abraçadas a árvores e depois levadas pelo vento, rolando no chão como bonecos. Depois fui afastada da janela chorando de medo. Hoje está tudo visivel, com imagens tão reais que podemos sentir o medo como crianças, ante a força indomável que nos cerca.Todas as tempestades têm nome, esta é "Lesley". Não sei se errei no nome, mas estou certa quanto ao som que já ouço dos pinheiros no jardim. Começou a chover. O mar cresceu em toda a costa. Como fazer parar o monstro? Amanhã.
Alguns de nós, todos residentes no mesmo espaço, fomos almoçar perto do mar, devidamente acompanhados. O passeio foi saboroso, com bom tempo e alegria em cada rosto. As mãos amigas que nos ampararam são jovens e sábias, pois há muitas diferenças entre cada necessidade, sugerindo uma atitude adequada. Falo por mim e por aquilo que analiso, tudo perfeito. Sou grata por aquilo que se vive aqui. Penso que a felicidade se constroi de pequenas coisas, sabiamente vividas.
Ao rir de mim, das mazelas, dos esquecimentos inesperados e das situações ridiculas que vou criando, entro no espaço do humor que alivia muito a sensação de perda que tudo isto provoca. Esta forma de viver a velhice é também um teatro interno, de mim para mim, comparada a uma filosofia de vida. Vivo todas as angústias de um futuro sem futuro e tal como Pessoa também pergunto "amanhâ onde estarei?". Assim vou inventando possibilidades e existências que só existem num lugar especial de felicidade e amor. Tudo isto para contar a perda e o achar de algo, quase íntimo, enquanto dormia. Como comer sem dentes se os mesmos haviam desaparecido? Como pude estar tão fragilizada que perdi o controle da minha boca? E assim, procurando, já quase a pedir ajuda, encontrei os voadores sob um móvel. Tudo inteiro. Mas para mim foi mais uma prova de quanto estou a perder concentração e memória.