Dias cheios, coração cheio. Ontem fiquei surpreendida por uma amiga que há muito não via. Que abraço, que aconchego! Duas horas de conversa, com tristezas e alegrias. Foi bom. O dia de hoje foi combinado e até gravado para um trabalho de fim de curso na Universidade de S. Paulo, Brasil. E de lá vieram mãe e filha, esta neta postiça que o meu coração escolheu. Ambas bonitas, parecem irmãs. É muita sorte ter estas ligações pelo mundo, onde tento aprender a ligar-me com respeito e abertura mental. Nada é fácil nesta vida. Mas as afeições ajudam muito.
Rosas de chocolate, um abraço sentido, o carinho de um jovem, uma neta inventada. São valores sem valor no mundo dos materialistas que tudo calculam ao preço de compra e venda. Há mais alegrias naqueles gestos que ninguém avalia por serem íntimos e sinceros. Podem durar um instante ou serem tão velhos como o tempo. Não importa, basta reconhecê-los. Sentir a felicidade desse bem de todos os seres vivos, que é amarmo-nos sem saber porquê.
Como não há duas sem três, hoje sofri a terceira queda em menos de um mês. E foi mais dolorosa por não ter a proteção da roupa. Saí da cama para ir à casa de banho e tropecei numa cadeira. Consegui puxar o alarme para pedir ajuda. Com algumas dores mas bem de tudo. Penso que sou rija e com um bom amparo, a quem chamo Anjo da Guarda. Minha avó sempre dizia - Oh meu anjo da guarda, mjnha doce companhia, guarda a menina de noite e de dia. Alguns dirão que não devia cair mas eu sei que terei de experimentar a dor para avaliar o sofrimento e depois sentir a alegria de estar inteira. Assim entra a gratidão e a prece e a paz. O resto vem depois.
O medo entrou cedo na minha vida. Foi o homem das barbas, a porteira gorda que caía na escada e foi o palhaço carnavalesco a dançar à minha volta. Todos foram os medos da noite e os monstros que inventava para brincar. Mas houve muito peor que limitou a minha liberdade de crescer, o oratório em casa da avó paterna. Numa pequena divisão com panos roxos e flores de seda havia Cristos em sangue, senhoras chorando e crianças também. Ali eu ia rezar levada pelas tias. Contra vontade, muitas vezes sem perceber o porquê de tudo aquilo. E Deus, Nosso Senhor iria castigar-me pelos meus comportamentos de menina teimosa, malcriada, etc, etc. Muito mais tarde, quando aprendi a olhar para dentro, esqueci estes temores mas o medo ficou. Ainda hoje aparenta ser humilde e pequeno por algum tempo,, para de repente ser a soma de tudo que temo, até hoje. E doi e doi sempre.
Não tenho joias, nem valores para o mundo. Mas tenho livros, palavras soltas em poemas, rascunhos com imagens, talvez riquezas sem medida e sem apreço. Levo o que trouxe mais consciente da vida vivida. Desta deixo o mesmo que já deixei. Uma ténua lembrança que logo se desvanece. Entretanto, dentro do tempo, procuro ser feliz num conceito de sociedada organizada nos princípios cristãos de fé, esperança e caridade. Estes podem dilatar-se ou contrair-se. Podem abraçar o mundo ou olhar para o espelho e só ver o interesse da sua pequena existência. Assim, na minha escolha estão os meus tesouros, que dão bem estar com conhecimento e alegria vinda de algo que nem entendo. Vivemos o mistério da morte e do esquecimento total.