Se viver mais uma semana inicio uma nova década de vida. Quando aos vinte anos eu falava sobre o ano dois mil, não tinha consciência do que isso seria em termos de viver em sociedade. Primeiro porque pensava já ter morrido, segundo porque estava tão longe, tão longe esse tempo que era dificil dar-lhe existência real. Mas agora, que ainda estou neste mundo, recordo essas conversas ingénuas, quase infantis, que nos faziam rir sem temer o futuro. O futuro que esperou por mim, para eu estar nele sem saber onde estou.
Tudo é cinzento. Não há sombras. Os meus cactos são variados, pois alguns são verdes e outros são castanhos e amarelos e enfeitam a pequena varanda que me liga ao jardim. O que os meus olhos contemplam, transmitem várias sensações. Algumas de angústia, de alegria e muitas de saudade. Sei que vivi feliz, com amor familiar e também por mim mesmo. Não sei porque escrevo estes desabafos, estas linhas isentas de ideias, estes pensamentos pobres de quem chora uma vida que afinal foi cheia de boas consequências. Estas são o presente, o meu dia a dia, sem dores físicas e com as comodidades que a marioria dos velhos desconhece. E estou grata à Vida.
ros vermelhos. Os cactos velhos que eu trouxe de casa são amarelos e com grandes espinhos. Vejo tudo sem as cores verdadeiras, tal como me vejo a mim. O amor que tenho à vida e portanto a mim e por tudo que confere o orgulho de ser gente.
vividos na amargura de ser limitada no espaço e no tempo, a consciência da partida ,crescida da noção que a memória me dá de tudo quanto fiz, foram todos quase infelizes. Nada tem sido positivo. mesmo as boas leituras não aliviam esta angustia. Talvez lembrar que
o vento levou as rosas
e a roseira ficou nua.
Sob a minha janela
só os espinhos são roseira,
enquanto a primavera
estiver longe tudo é dentro
da terra. Onde estou eu?
Terei primavera no tempo?
"Eu sou um acaso perdido no tempo". Ouvi e acordei. Muitos são estes sussurros que me dão ordens, conselhos e memórias. A todos obedeço e guardo. Hoje voltei a dormir e esqueci a frase. Mas a meio da manhã ela voltou, recordada. Pode ser um poema, pode ser uma busca que eu tenha de fazer no meu interior. Vou tentar compreender estas palavras naquilo que sugerem. E como sempre agradeço o contacto cuja origem desconheço. Como os meus pensamentos são muito fantasiosos, é natural que componham cenários de fantasia. E assim posso escrever histórias da criança, que cedo aprendeu a inventar a vida.