Perco iniciativas para fazer algo que me obrigue a movimentar. Penso que vou arrumar, guardar roupa, modificar gavetas. Todos estes desejos se perdem com o calor. Quero dormir mas não consigo e por isso estou deprimida e triste. A temperatura desceu hoje e já estou mais eu. Há trinta anos, quando ainda trabalhava, estas sensações não me perturbavam perante o dever e a necessidade de trabalhar. Mas agora tudo é mais dificil. Os dias passam sem projetos, sem sair do mesmo lugar. Parece que me lamento mas nada disso. Estou a constatar a situação de velho, que queria ser novo e não pode. Riu de mim e dos outros que me acompanham neste palco, cujo pano vai cair em breve.
Há muitas maneiras de contar a mesma história, quer seja verdadeira ou inventada. A minha é verdadeira e conta-se assim: em taxi a caminho de casa, meia hora de viagem. O taxista iniciou a conversa falando da sua vida em Portugal, vindo do Brasil há anos. Casado com uma portuguesa e pai de filhos, descreveu dificuldades que eu mal ouvi. Por fim dei um salto de susto quando o homem disse a frase - vim para Lisboa porque matei um homem. A medo perguntei se não tinha remorsos. Que não. Fora uma vingança, que jurara aos nove anos, quando o mesmo homem lhe matara o pai, ali, junto a ele. Brigas de terras, vizinhos em ódio, partilhando águas, partlhando caminhos. Cresceu e vinte anos depois, bilhete de avião comprado, despedidas feitas, decisão tomada, entrou na festa de anos do velho rodeado de filhos e netos e apontou a arma que deixou no chão da sala. Gritou porque o matava e ainda ouviu os gritos de dor. Sereno, guiando o taxi. Chorei em casa por mim e por ele e por medo de cada pessoa que por nós passa.
A saudade acarinha a lembrança, dá-lhe o aconchego que a mantem presente na memória. A saudade é o berço que embala cada sentimento que compôe a lembrança. E cada lembrança pode ser alegre ou triste mas todas, todas são alimentadas pela saudade. Os motivos variam e por isso cada uma tem o seu valor. A saudade de mim nasce nesses valores que fizeram de mim gente com qualidades e defeitos próprios da minha condição. A viver um acontecimento extrordinário na história da humanidade, medito sobre a sua força, sua magnitude e a sua origem. O mundo parou para a Terra convalescer do mal que estava sofrendo: o abuso dos humanos sobre o seu único Lar. Ignorantes, os homens foram tirando e matando por egoismo e ganância, sem respeitar e amar esta casa onde se nasce e se morre.
Primaveras, invernos e o resto, tudo se compõe de ventos e marés, mais o que não se deve publicar. Este tempo é a coroa que me faltava para dizer que vivi as amargas experiências que uma geração pode conhecer. Eu já sabia que a Era de Aquário seria violenta para esta humanidade pela evolução que exige e para a qual muitos milhões de pessoas não estão preparadas. Ou porque não quizeram aprender a vida na terra ou porque lhes bastava a vida com os prazeres materiais. E eis que estou a ver e a procurar todas as previsões que li há muitos anos sobre o nosso futuro. Que será e como será, eis a questão. Mas não será pera doce, não. Aos jovens tudo será natural e fácil pois já nascem sabendo como os caminhos serão novos e diferentes perante as sociedades que irão criar. Talvez eu volte para ajudar na tarefa.
Era um verão triste e chuvoso.
Era o primeiro verão desamparada.
Era quando a chuva na janela
deixava a tua mão marcada.
Era a diferença nas vidas de quem fica.
Era a saudade a crescer no peito.
Era o aprender a lutar sem chão.
Era ir nas ondas sem praia perto.
Foi até hoje procurar o remo
do barco que trouxe para me guiar.