Há muitas maneiras de contar a mesma história, quer seja verdadeira ou inventada. A minha é verdadeira e conta-se assim: em taxi a caminho de casa, meia hora de viagem. O taxista iniciou a conversa falando da sua vida em Portugal, vindo do Brasil há anos. Casado com uma portuguesa e pai de filhos, descreveu dificuldades que eu mal ouvi. Por fim dei um salto de susto quando o homem disse a frase - vim para Lisboa porque matei um homem. A medo perguntei se não tinha remorsos. Que não. Fora uma vingança, que jurara aos nove anos, quando o mesmo homem lhe matara o pai, ali, junto a ele. Brigas de terras, vizinhos em ódio, partilhando águas, partlhando caminhos. Cresceu e vinte anos depois, bilhete de avião comprado, despedidas feitas, decisão tomada, entrou na festa de anos do velho rodeado de filhos e netos e apontou a arma que deixou no chão da sala. Gritou porque o matava e ainda ouviu os gritos de dor. Sereno, guiando o taxi. Chorei em casa por mim e por ele e por medo de cada pessoa que por nós passa.